domingo, 16 de janeiro de 2011

COMPAIXÃO

                                                                                                  Cristo e Krisna

"Se fizéssemos uma lista das pessoas das quais não gostamos...descobriríamos muito sobre os aspectos de nós mesmos que não conseguimos encarar."
             Pema Chödron, Start Where You Are.

Crianças brincando nuas

Recentemente, um aluno me disse que achava que “bondade amorosa” e “compaixão” eram termos frios. Essas palavras soavam muito distantes e acadêmicas, muito parecidas com um exercício intelectual de ter pena das outras pessoas. “Por que”, ele perguntou, “não podemos usar uma palavra mais simples e direta, como ‘amor’?”
                                         
Há alguns bons motivos pelos quais os budistas usam os termos “bondade amorosa” e “compaixão”, e não um termo mais simples como “amor”. A palavra “amor” está tão ligada a reações mentais, emocionais e físicas associadas ao desejo que há algum perigo em associar esse aspecto da abertura da mente com o reforço da ilusão essencialmente dualista do “eu” e do “outro”: “Eu o amo” ou “Eu amo isto”. Há um sentido de dependência do objeto amado e uma ênfase no benefício pessoal de amar e ser amado. Sem dúvida, há exemplos de amor, como o vínculo entre pai e um filho, que transcendem o benefício pessoal para incluir o desejo de beneficiar outra pessoa. A maioria dos pais provavelmente concordaria que o amor que sentem em relação aos filhos envolve mais sacrifício do que recompensas pessoais.

Entretanto, em geral, os termos “bondade amorosa” e “compaixão” servem como “faróis vermelhos” lingüísticos. Eles nos fazem parar e pensar sobre o nosso relacionamento com os outros. Sob a perspectiva budista, a bondade amorosa é o desejo de que todos os seres sencientes – mesmo aqueles de quem não gostamos – vivenciem o mesmo senso de alegria e liberdade que nós mesmos desejamos sentir: um reconhecimento de que todos nós vivenciamos os mesmos tipos de desejos e necessidades; o desejo de viver nossas vidas em paz e sem medo da dor. Até uma formiga ou uma barata vivencia os mesmos tipos de necessidades e medos que os humanos. Como seres sencientes, somos todos parecidos; somos todos relacionados. A bondade amorosa implica um tipo de desafio para desenvolver essa consciência de gentileza ou associação em um nível emocional, e até físico, em vez de permitir que o termo permaneça em conceito intelectual.

A compaixão leva essa capacidade de considerar outro ser senciente como um igual ainda mais longe. Seu significado básico é “sentir com”, um reconhecimento de que o que você sente eu sinto. Tudo o que o prejudica me prejudica. Tudo o que o beneficia me beneficia. A compaixão, em termos budistas, é uma completa identificação com os outros e uma prontidão ativa para ajudá-los de qualquer maneira.

Encare a palavra em termos práticos. Se você mentir para alguém, por exemplo, quem você realmente prejudica? A si mesmo. Você precisa viver com o peso de se lembrar da mentira que contou, eliminar todos os rastros e talvez montar toda uma rede de novas mentiras para impedir que a mentira original seja descoberta. Ou suponha que você roube alguma coisa, mesmo algo tão sem valor quanto uma caneta, do seu escritório ou de outro lugar. Pense no número de grandes e pequenas ações envolvidas para esconder o que você fez. E, apesar de toda energia gasta para encobrir sua ação, você quase inevitavelmente será pego. Não há como esconder cada detalhe. Assim, no final, o que você de fato fez foi despender muito tempo e esforço, que poderia ter sido direcionado para algo mais construtivo.


A compaixão é essencialmente o reconhecimento de que todos e tudo são um reflexo de todas as outras pessoas e todas as outras coisas. Um texto antigo chamado Avatamsaka Sutra descreve o universo como uma rede infinita gerada pelo desejo de Indra, uma divindade hindu. Em cada conexão dessa rede infinita, há uma jóia maravilhosamente polida e infinitamente facetada, que reflete, em cada uma de suas facetas, todas as facetas de todas as outras jóias da rede. Uma vez que a própria rede, o número de jóias e o número de facetas de cada jóia são infinitos, o número de reflexões também é infinito. Quando qualquer jóia nessa rede infinita é alterada de qualquer forma, todas as outras jóias na rede também mudam.

A história da rede de Indra é uma explicação poética para as conexões algumas vezes misteriosas que observamos entre eventos aparentemente não-relacionados. Nos últimos tempos, tenho ouvido de vários alunos que muitos cientistas modernos têm se debatido por muito tempo com a questão das conexões – ou emaranhamentos, como são chamados pelos físicos – entre partículas que não são óbvias para a mente humana ou visíveis em um microscópio. À primeira vista, experimentos envolvendo partículas subatômicas conduzidos ao longo de algumas décadas sugerem que tudo o que foi conectado em um momento retém essa conexão para sempre. Como as jóias da rede de Indra, tudo o que afeta qualquer uma dessas pequenas partículas automaticamente afeta outra, independentemente do tempo e do espaço que as separam. E, como uma das teorias atuais da física moderna sustenta que toda a matéria foi conectada em um único ponto no começo do big bang que criou nosso universo, é teoricamente possível – apesar de ainda não provado – que o que afeta uma partícula em nosso universo também afete todas as outras.


A profunda inter-relação sugerida pela história da rede de Indra – embora, no momento, seja apenas uma analogia à teoria científica contemporânea – pode algum dia revelar-se um fato científico. E essa possibilidade, por sua vez, transforma toda essa idéia de cultivar a compaixão de uma idéia interessante em uma questão concreta de imensas proporções. Com uma simples mudança de perspectiva, você pode não apenas alterar a própria experiência, mas também mudar o mundo.
Fonte: A Alegria de Viver – Descobrindo o segredo da felicidade – Yongey Mingyur Rinpoche

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